Saturday, January 25, 2014

MARY MARTIN: A BROADWAY NO CERRADO BRASILEIRO

Você conhece a história das atrizes de Hollywood que vieram para Anápolis? Não? Então leia, vai gostar!

Parece história de filme americano, mas na década de 1950, entre todos os lugares do mundo, o pequeno município de Anápolis (GO), distante 139 km de Brasília, foi o escolhido para ser o refúgio de estrelas de Hollywood e artistas da Broadway, seja para buscar moradia ou se hospedar na casa de amigos famosos. Entre essas estrelas, estava Mary Martin, que inúmeras vezes iluminou os letreiros da Broadway.


Mary Martin em 'Peter Pan'
Tudo aconteceu por acaso. Em 1955, Mary havia terminado a temporada de Peter Pan na Broadway, espetáculo no qual interpretava o papel-título e que lhe rendeu o Tony de Melhor Atriz. O musical foi levado ao ar na íntegra, em uma tentativa de popularizar a ‘novidade’ que era a TV a cores. O programa teve 65 milhões de espectadores, batendo o recorde da época, transformando Martin em celebridade. Então, para poder aproveitar suas boas e merecidas férias, a atriz partiu com sua filha e seu marido, Richard Halliday, para uma viagem de navio com destino à Grécia.
Mas sua bagagem se extraviou e, para recuperá-la, a família precisou mudar seu itinerário e foi parar no Brasil, no porto de Santos. Ficou surpresa ao receber uma carta do casal de amigos Janet Gaynor e Gilbert Adrian, que possuíam terras no Brasil, ambos estrelas internacionais. Janet foi a primeira atriz a receber o Oscar e Adrian ditou a moda no mundo ocidental como estilista da MGM: são dele os figurinos da versão cinematográfica de O Mágico de Oz. Mas como o casal, vivendo no Brasil, poderia saber da chegada de Martin se seu itinerário fora totalmente acidental?


Eles, na verdade, não sabiam quando Martin viria. A mãe de Janet havia lido em uma coluna social nos Estados Unidos que Mary Martin e sua família iriam passar pelo Brasil, e enviou a notícia à filha, que escreveu uma carta e mandou que os esperassem no porto, dia após dia, até que Martin chegasse e a carta fosse entregue. Mary Martin e Richard Halliday aceitaram o convite e foram parar em Anápolis, onde se encantaram com as belezas naturais do lugar e com a maravilhosa casa que Janet e Adrian haviam construído.
Quando Halliday demonstrou o desejo de morar ali por perto, Joan Lowell, estrela do cinema mudo que também morava no Brasil, ofereceu-se para intermediar a negociação. Halliday e Martin voltaram aos EUA e mandaram para Lowell o dinheiro e a procuração. Quando receberam os documentos das compras das terras, o casal voltou ao Brasil para conhecer seu pedaço de paraíso e planejar as futuras construções. Estavam passeando quando escutaram rajadas de balas. Os tiros foram dados pelo verdadeiro dono das terras, que deu somente o aviso para que não entrassem mais em sua propriedade.
Quando questionada sobre a compra, Lowell inventava a cada dia uma nova desculpa. Chegou a dar um cheque de um banco de Anápolis como devolução do dinheiro enviado, mas o cheque não tinha fundo. O sonho tropical de Richard Halliday e Mary Martin quase acabou neste momento, mas o casal foi ajudado por Gibran El-Hadj, um comerciante e fazendeiro descendente de árabe que conseguiu resolver a situação no melhor jeitinho brasileiro, tornando-se o representante do casal no Brasil.

Foto extraída do Documentário Hollywood no Cerrado
E assim surgiu a ‘Nossa Fazenda Halliday’, que era como eles chamaram suas terras. Existe até hoje na entrada do caminho que conduz à sua fazenda uma coluna de concreto com o nome quase apagado da propriedade. Mary Martin, conhecida entre os anapolinos como ’Dona Meire’, construiu sua casa no melhor estilo de Beverly Hills, um pedacinho de Hollywood em pleno cerrado brasileiro. Richard Halliday por sua vez plantou 300 pés de rosas para Martin, e presenteou a esposa com uma ponte em estilo japonês, que foi colocada em um lago da propriedade do casal.
Com a facilidade de voos diretos entre Brasília e Nova York, a atriz e o marido viviam numa constante ponte aérea. Sempre que possível, porém, passavam mais tempo na fazenda de Anápolis do que na Broadway. No dia 12 de maio de 1964, ao ser entrevistada no aeroporto de Brasília por ocasião de mais uma de suas idas a Nova York, a atriz respondeu ao jornalista Ari Cunha, do Correio Braziliense:
“O senhor me pergunta se eu gosto de Brasília e do Brasil? Mas é claro! Gosto tanto que estou disposta a me aposentar nos Estados Unidos e vir morar definitivamente em Goiás, bem pertinho de Brasília. Tenho já uma fazenda, se assim pode ser chamada, pois ainda não tenho vacas e estou já cheia de otimismo quanto à prosperidade da mesma. Conto com 5.000 galinhas. Quero revelar que esta terra é ainda uma das melhores para se viver, pela ponderação com que são cobrados os impostos. Basta que lhe diga que nos Estados Unidos pago de imposto de renda 80 centavos por dólar que ganho”.
O repórter descreve a cena da entrevista: “era mais ou menos 12 horas e 30 minutos quando Mary Martin chegou ao Aeroporto Internacional de Brasília acompanhada de seu marido, em demanda do balcão da Pan American. Vinha lentamente, apoiada no braço esquerdo do esposo, fato que despertou minha curiosidade. Perguntei se havia sofrido algum acidente. Mrs. Martin sorriu e respondeu: “Não, estou perfeitamente bem. Apenas pasei três meses na fazenda, sem usar sapatos de salto alto e assim fiquei fora de forma. Estou com os pés doendo horrivelmente. Creio que vou descer em Nova York andando ‘renga’, como dizem os gaúchos, usando botas de cano alto, a gente fica destreinada, como se diz. Mesmo assim, foram os meses mais felizes de minha vida e estou ansiosa para retornar definitivamente ao Brasil, onde ficarei perto da mais jovem Capital do mundo”.
Martin se dividia entre o interior do Goiás e os musicais. Em 1959, originou na Broadway o papel de Maria em A Noviça Rebelde. Estrelou Hello Dolly em 1965 em Londres e depois partiu em turnê pela Europa e Ásia. No dia 22 de julho de 1966, saiu no Correio Braziliense:
“Não estranhem se eu informar para todos que um dos grandes shows da Broadway está sendo bolado em Anápolis, pertinho de Brasília. Lá estão Mary Martin, seu esposo Richard Halliday e o compositor Schmidt. É que Mary Martin está sendo, hoje, o grande sucesso dos Estados Unidos, e sempre que pode se recolhe à sua fazenda em Goiás, para novas criações”, revelou Ari Cunha.
O musical em questão era I Do! I Do!, com libretto e letra de Tom Jones e música de Harvey Schmidt. Estreou na Broadway em dezembro de 1966 com Mary Martin e Robert Preston. O casal se apresentou em Nova York até o final de 1967, quando foram substituídos para iniciar uma turnê pelos Estados Unidos. Em fevereiro de 1969, Martin ficou doente e o final da turnê foi cancelada. Depois disso ela decidiu que iria passar mais tempo em Anápolis.
Mas Mary não ficou parada: em 1970 ela inaugurou “uma das mais luxuosas boutiques do Brasil Central”, de acordo com a Folha de Anápolis. A loja era um misto de salão de beleza, produtos importados e criações da própria Martin, e era realmente muito sofisticada. Muitos turistas eram atraídos pela “loja da atriz de Hollywood” e até a filha do presidente da época ia a Anápolis exclusivamente para comprar na loja, que foi chamada de Nossa Loja Mary Martin’s.
Mas, como todo sonho chega ao fim, o marido de Martin adoeceu em 1973, e mesmo sendo tratado em Brasília, faleceu vítima de pneumonia. Era desejo de Halliday ser cremado e Martin ficou muito chocada ao
descobrir que não existiam crematórios no Brasil. Ela precisou transferir o corpo do marido para os EUA para conseguir atender o seu último desejo. Manuel P. Mendes relata em seu livro O Cerrado de Casaca:
“Com a partida de Mary Martin, morria a Hollywood goiana. No início, a sua vida em sua fazenda era alegre, conta Mary Martin em seu livro auto-biográfico. Havia a presença de sua amiga Janet Gaynor e de seu marido Adrian. (…) Havia, também, a presença de Joana Lowell e de seu marido, o Capitão Bowen. Aos poucos, todos foram deixando Anápolis, permanecendo lá apenas Mary Martin, o marido e uma filha. Mais tarde, a filha casou e passou a residir nos EUA. O casal ficou sozinho. Com a morte do marido, tornou-se difícil para a Sra. Martin continuar ali, sozinha, cheia de recordações, apesar de ser a terra que amava, como confessou em sua biografia.”
A atriz voltou para os EUA ainda no final da década de 1970 e, decidida a não retornar, ela passou para o nome de seu caseiro, José Rodrigues Sobrinho, a propriedade de sua fazenda. Mas guardou boas lembranças do Brasil, tantas que até dedicou um capitulo de sua biografia para relatar como era a sua vida e a de seu marido na cidade de Anápolis. Ela, com alegria, contava uma história de que certa vez estava atravessando a “selva” brasileira, a caminho da casa de uma conhecida. Anoitecia e, ao se aproximar da casa, uma janela se abriu de repente, revelando uma senhora idosa que reconheceu em Martin a figura de Peter Pan, seu papel mais conhecido. Sem acreditar nos próprios olhos a velhinha, já senil, repete a fala de Wendy: “Peter! Você veio à minha janela!”

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