El Loco' de Ipanema, Doval, artilheiro , foi paixão no Fla e no Flu
http://youtu.be/3rGzV4nAqxA
Argentino técnico, raçudo, sedutor, estilo bem carioca, é lembrado com saudade. Morto em 1991, figura no timaço dos que jogaram nos dois clubes
Tarde de domingo de sol. Maracanã cheio. Anos 70. Mais de 100 mil pessoas em um dos maiores clássicos. Um argentino bronzeado, louro, de olhos azuis, arranca pela direita para o meio. Ele invade a área, supera os zagueiros truculentos de dentes trincados, consegue se equilibrar e arremata. A bola sai rasteira, forte, indefensável. A corrida do gringo continua. Agora, ele dispara rumo à beira do campo. Punhos cerrados, vibra como se fosse um garoto. O encontro com a torcida na comemoração dá mostras de como o futebol fica mestiço. O argentino conquista o Rio. Mistura de raças maior, impossível. Também, a alma dele é carioca...
Manhã de segunda-feira de puro sol. Ipanema nem tão cheia assim. Anos 70. Muitos vão para o trabalho. Um argentino bronzeado, louro, de olhos azuis, arranca pelo calçadão em plena Vieira Souto. Tem como companhia dois amigos daqueles inseparáveis, músicos, compositores de primeira linha. Os três, na época, formam o Trio Colírio das areias. O gringo começa a ter pela frente as fãs. Cada uma melhor do que a outra. Lindas. O "palco" começa a lotar. Casa cheia. A marcação é implacável. Louras, morenas, mulatas. Os amigos disparam. O argentino fica. "Oi, Bircoito!", fala para uma, manda para a outra. Na verdade, ele queria chamar a menina de "Biscoito", gíria da época, mas não consegue... Depois, faz a escolha. Larga os amigos. Calmamente, vai com a garota para o mar... O argentino conquista as mulheres. Mistura de raças maior, impossível. Também, a alma dele é carioca...
Essas eram as paixões de Narciso Horacio Doval. O gringo Doval. Diabo Louro. El Loco. Por qualquer apelido que o chamassem, a resposta vinha com um sorriso. Pouco depois, a resenha sobre os assuntos preferidos: futebol, praia, mulheres. Não necessariamente nessa ordem. De vida intensa, com histórias saborosas, o atacante entrou definitivamente para o time das personagens mais marcantes de um Rio de Janeiro absurdamente lindo, mais malandro e até ingênuo, e menos, bem menos violento. Valente, raçudo, catimbeiro e extremamente técnico, Doval fora de campo era paz e amor. Um "bon vivant". E destacou-se tanto no futebol carioca que se tornou ídolo de duas torcidas rivais.
Com Doval, o Fla-Flu era mais charmoso ainda. Quando vestia a camisa rubro-negra, com seus gols e sua valentia, tornou-se logo ídolo. Fez gols importantes, como o da final carioca de 1972, contra o próprio Fluminense. Campeão também em 1974, formou trio infernal com Zico e Geraldo, o Assobiador. Desejado pelos tricolores, acabou indo para as Laranjeiras em 1976. Na Máquina, com Rivellino e Paulo Cezar Caju, também decidiu campeonato, o Estadual. Mesmo assim, continuou a ser amado pelos rubro-negros. Numa seleção Fla-Flu, dos que vestiram a camisa, é nome certo. Aliás, a seleção é de respeito: Renato, Toninho, Carlos Alberto Torres, Edinho e Rodrigues Neto (Branco); Gerson, Paulo Cezar e Petkovic (Thiago Neves); Renato Gaúcho, Doval (Cláudio Adão) e Romário (Nunes). Desses, o argentino - juntamente com Renato Gaúcho e Paulo Cezar Caju - foi o mais amado pelas duas torcidas.
- Narciso Horacio Doval foi um jogador espetacular. De última bola, coisa rara, de finalização. Nasceu com esse dom, desde o San Lorenzo, onde começou a carreira. Teve uma passagem empolgante pelo Flamengo. Foi, incontestavelmente, tão famoso quanto o Zico, o que é uma coisa inacreditável. Ele ombrear-se em matéria de torcida com o Zico... E ele ombreava-se. Eu vi quando houve o troca-troca famoso de 1976. Você não pode imaginar a reação contrária ao Hélio Maurício, presidente do Flamengo, pela ida dele para o Fluminense. Queriam rasgar a carteira na sala dele. Mas o Hélio disse que já tinha dado a palavra para mim. O Doval era um sonho antigo meu. Eu o achava com perfil tricolor. Louro de olhos azuis tinha que estar no Fluminense - disse o ex-presidente Francisco Horta, responsável pela contratação do atacante.
Horta trocou três jogadores do Fluminense por três do Flamengo e sacudiu o futebol carioca. Pegou Doval, o goleiro Renato e o lateral Rodrigues Neto e cedeu o lateral Toninho - único que deu certo na Gávea -, o goleiro Roberto e o ponta Zé Roberto. A torcida do Flamengo jamais perdoou o ex-presidente rubro-negro Hélio Maurício, que depois acabou perdendo a eleição para Márcio Braga. O troca-troca virou música de Jorge Benjor, muito amigo de Doval. E o atacante continuou sua vida pelo Rio, cidade que passou a adotar desde sua chegada, em 1969.
Um dos seus primeiros amigos foi o jornalista argentino Manolo Epelbaum, que trabalhou anos como correspondente no Rio do diário "Clarín" e acompanhava o futebol de Doval desde os tempos do San Lorenzo. Com Fernando Nano Areán, Héctor Bambino Veira, Victorio Manco Casa e Roberto Oveja Telch, Doval, já chamado de "El Loco", formava o ataque de garotos chamado de "Los Carasucias" (os cara-sujas) de 1965. Narciso chegou à seleção argentina, mas ficou marcado pelo episódio no avião. Acusado de assediar uma das aeromoças, jamais voltou a ser convocado. Mas respondia em campo. Em 1968, integrava com Bambino Vieira, contratado pelo Corinthians, e com Fischer, adquirido pelo Botafogo, o ataque campeão invicto chamado de "Los Matadores". Depois, acabou negociado para o Flamengo.
- Lá na Argentina, "cara-suja" quer dizer moleque, é diferente daqui. E eles eram mesmo, dentro e fora de campo. Pouco depois desse incidente, um dirigente do Flamengo me ligou para perguntar do gringo. "O que sabe sobre Doval? Estamos interessados, mas soubemos que teve problemas na viagem aérea. Mas só quero saber se joga futebol." Aí, eu disse: "Ele não joga futebol. Ele destrói uma bola por partida. É jogador raçudo, valente. E faz pelo menos um, dois gols por partida. E vai ter a raça rubro-negra. Joga com a 7, mas não gosta. Prefere o meio da área". O Tim, técnico do Flamengo que trabalhou no futebol argentino, já havia treinado o jogador no San Lorenzo, onde foram campeões, e o indicou.
Louco por Ipanema
Mais uma ligação entre a dupla Fla-Flu. O responsável pela contratação de Doval foi um treinador do Flamengo ídolo no Fluminense. Tim encantou os tricolores nos anos 30 e 40 com a bola nos pés. "El Peón", como era conhecido, tornou-se estrategista dos bons como técnico. E conhecia craque como poucos. Recebeu Doval de braços abertos. O Gringo adotou Copacabana como moradia. Depois, ficou doido por Ipanema e por lá ficou.
- Na verdade, a paixão por Ipanema foi sobretudo pelas mulheres. Era o bairro da moda. Morava na Visconde de Pirajá com Montenegro e ficava ali, no Posto 9. Sempre foi muito namorador. Lembro que ele namorou uma mulher da sociedade. Ele ficou com muito cartaz - afirmou o compositor e músico Paulo Sérgio Valle, que, juntamente com o irmão e grande parceiro Marcos Valle e o gringo, formou o Trio Colírio, apelido dado pelo produtor e jornalista Nelson Motta aos três louros responsáveis por suspiros no bairro.
Paulo lembra que conheceu Doval após uma dor em comum: ambos eram amigos de Binha, um camarada de Búzios que morreu jovem. Dali, acabaram amigos. Logo depois, El Loco conheceu Marcos Valle. Os três passaram a andar juntos pelo Rio. Principalmente nas corridas no calçadão de Ipanema. Conhecidos, causavam frisson. A dupla de compositores que mergulhou na bossa nova e fez inúmeras trilhas sonoras de novelas para a TV também tinha fama. Quem nunca cantarolou "Samba de verão" ou "Viola enluarada", grandes sucessos entre inúmeros? Ou a música de Natal que todo ano pinta na tela da Globo (Hoje, é um novo dia/de um novo tempo/ que começou...)?
- As corridas com o Doval eram muito engraçadas. O gringo, na verdade, parava de mulher em mulher. "Mas que bircoito", dizia. Ele não conseguia falar "biscoito". Quem levava mais a sério as corridas era o Paulo. Gostava de participar de maratonas. Para o Doval, como exercício, era zero. Ele queria era as garotas. Quando via aquele tumulto todo, adorava. Chegava para a gente e dizia: "Temos que correr siempre juntos." Foi um momento muito bom de nossa amizade - afirmou Marcos Valle.
Na praia, foram várias histórias. Certa vez, Doval, para se livrar de um marido furioso de uma namoradinha, teve que nadar da Rua Montenegro (hoje Vinícius de Morais) até o Arpoador. Outra vez, chegou correndo na praia com o bandeira do Botafogo, clube em que sequer jogou. Os amigos não entenderam. Acharam que o gringo tinha enlouquecido.
- Estou namorando a irmã de um chefe de torcida organizada do clube. O cara é grande e muito forte - afirmou o gringo, provocando gargalhadas dos amigos.
Outro companheiro dos tempos de Rua Montenegro, o jornalista Sérgio Noronha se divertia com as loucuras de Doval. E com o seu bom humor.
- Era uma pessoa divertida, nunca vi o Doval de mau humor. Gostava muito de praia, tinha uma forma física muito boa. Bebia pouco, nem fumava. Nada de droga. E tinha mão de ferro, era pão-duro. Uma vez se machucou na praia, jogando vôlei, e foi atendido numa pet shop, no meio de cachorro e gato, para sair mais barato. Acabou até saindo de graça, o dono o conhecia... Era um cara dos bons daqui de Ipanema. Gostava de jogar bola, praia e namorar.
'Tenista' sedutor
E como. Francisco Horta lembrou de várias outras passagens marcantes. A viagem a Paris, por exemplo. Após jogar tênis com Marinho Chagas, o Bruxa, no hotel onde o time estava concentrado, o ex-presidente tricolor percebeu que Doval prestava atenção a todos os detalhes. Por perto, também, havia uma bela italiana. No dia seguinte, quando Horta e Marinho desceram para jogar novamente, a quadra estava ocupada. Era o gringo. Todo de branco, equipado, com raquete das melhores. Parecia um profissional.
- Ele estava jogando com a italiana. Nunca tínhamos visto o Doval jogar tênis na vida. Pior é que ele até estava enganando. Perdia quase tudo, mas como era atleta, corria nas jogadas, impressionava a mulher, que adorou ter vencido a partida. No fim, ele ainda lhe deu a raquete! Depois, veio me perguntar que horas poderia voltar à noite. Eu disse: "Onze horas." Pouco antes das oito, o vimos saindo com ela de carro. Era muito sedutor, conquistador.
No campo, não havia brincadeira nem sedução. Quando a partida começava, Doval parecia um leão recém-saído de uma jaula.
- Com o gringo a gente não falava. Eu pelo menos não falava com ele. Porque ele não olhava para a cara do adversário. Dava o seu bico, a sua cotovelada independentemente de quem fosse. Era assim, quando era do Flamengo, quando era do Fluminense, quando era da seleção argentina, sempre assim. Então não tinha papo com ele. Metia medo. Os zagueiros o respeitavam. Fora a parte técnica. Foi um dos atacantes mais completos com quem já joguei. O Narciso era especial para todos nós. Não somente pela capacidade técnica. Doval foi um dos caras que mais vestiram a camisa do Flamengo na expressão da palavra. Pela raça, luta, entrega, tudo isso. E adorava praia. Foi um dos precursores do futevôlei, que praticava muito bem - afirmou Junior.
Parceiro de ataque de Doval em 1974 - quando se sagraram campeões estaduais - e 1975, Zico também é só elogios. Paulo Sérgio Valle lembra de uma viagem com Doval à Espanha, durante a Copa de 1982. Os dois e Marcos Valle estavam em Barcelona. Paulo desceu para comprar o jornal e achou matéria com Zico dizendo que Doval fora o melhor parceiro com quem atuou na carreira. O compositor lembrou que o gringo ficou feliz com os elogios do Galinho, que teve momentos marcantes com o argentino.
- Doval era irreverente, se entregava muito no jogo. Tinha aquele espírito argentino.... Era um ótimo jogador, de técnica muito boa. E decisivo. Jogava em linha reta. Quando atuava na direita, fazia o facão. Na frente, ali, jogava na zona do agrião. Era um cara que basicamente não tinha muita beleza, muita plástica, mas tinha aquele espírito guerreiro que a torcida gosta. E fazia gol. Algumas vezes dava umas caneladazinhas, mas era importante para o time. Era aquela coisa: tá ruim? Dá nele. Via aquele cara lá brigando... Isso ensina muito. Na verdade, joguei pouco com ele. Só em 1974. Em 1975 ele já estava na direita. A gente tabelava muito. Mesmo com tudo isso, não era um cara egoísta. Jogava para o time. Mas olhava sempre em linha reta. E no Fluminense caiu bem. Tinha nego que fazia tudo ali de trás, ele ficava lá...
Foi assim no Flamengo, onde marcou 95 gols em 263 jogos - teve uma breve saída, emprestado para o Huracán quando brigou com Yustrich em 1971, voltando logo depois da saída do técnico, que o queria de cabelo cortado - e no Fluminense, onde ficou até 1978 e marcou 68 gols em 144 partidas. Depois, partiu para o futebol americano antes de penduras as chuteiras. Aposentado, alternou-se entre Rio e Argentina. E estava no país em que nasceu quando sofreu, aos 47 anos, o enfarte fulminante na calçada a 12 de outubro de 1991, após sair da boate New York City com a sobrinha, onde ficou por apenas 15 minutos. O gringo havia se encontrado também com alguns jogadores do Flamengo, que vencera o Estudiantes pela Supercopa. No Brasil, país em que fez vários amigos e bons companheiros, a saudade bate forte. Seja na antiga Montenegro, hoje Vinícius de Morais, coração de Ipanema, seja no restante do Rio que aprendeu a amar. Marcos e Paulo Sérgio Valle, Francisco Horta, Manolo Epelbaum, Sérgio Noronha, Junior, Zico... Nenhum esconde a tristeza.
- O Doval nunca foi um brasileiro. Era um carioca. Faz muita falta. E o mais impressionante é que ele morreu no Dia da Criança. Aquele cara que nunca deixou de ser criança morreu no Dia da Criança - resumiu Paulo Sérgio Valle.
Seleção Fla-Flu
Doval é o pilar de uma seleção de astros que brilharam nos dois clubes. Marcou época num tempo em que outro craque fez a moda no futebol carioca e francês. O Olympique de Marselha ficou entre Flamengo e Fluminense na vida de Paulo Cezar Caju. Ponta-esquerda dos mais habilidosos, meia dos mais inteligentes, o carioca começou e fez fama no Botafogo. Tricampeão do mundo em 1970, transferiu-se dois anos depois para a Gávea. Lá, foi o craque da moda e conduziu o time ao título carioca ao lado de Doval. Jogou 105 partidas e marcou 19 gols antes de se transferir para o futebol francês, com o amigo Jairzinho, logo após a Copa de 1974.
Ídolo em Marselha, recebeu proposta tentadora para voltar. Francisco Horta o queria na Máquina do Fluminense em 1975, com Rivellino, Pintinho e tantos outros. O jogador virou ídolo também da torcida tricolor e criou forte laço com o clube, sagrando-se bicampeão em 1975-1976. Atuou em 85 partidas, e marcou 16 gols.
Quem fez o caminho parecido com o de Doval e Paulo Cezar no futebol carioca foi o bom goleiro Renato. Primeiro, foi campeão no Flamengo em 1972 e 1974. Depois, no Flu, em 1975 e 1976. Ele tinha sido incluído no troca-troca dos dois clubes tal como o lateral-direito Toninho, um dos melhores da história do futebol brasileiro. Campeão estadual em 1975 pelo Tricolor, sagrou-se tricampeão no Rubro-Negro em 1978-79-79 (Especial) e brasileiro em 1980
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El Loco Doval was born in Buenos Aires. Playing in the hole, as a winger, or as a forward, Doval was skillful, had a good technical ability, and could both score and create a lot of opportunities for a centre forward. His style of playing quickly made him an idol in every club he played for, but especially in Rio de Janeiro rivalsFlamengo and Fluminense. He scored 95 goals in 263 matches for Flamengo, and 68 goals in 142 matches for Fluminense. Zico said that he was one of the best attacking partners he ever had. Doval also participated inGarrincha's farewell match at the Maracanã Stadium in 1973. In 1980, he played a single season with theCleveland Cobras and New York United in the American Soccer League.[1] He was traded from Cleveland in mid-season for American-born star Joey Fink.
In 1991, after winning a Supercopa Libertadores match against Estudiantes de la Plata, Flamengo's players met Doval and they went together to a night club in Buenos Aires. During the celebration he suffered a fatalheart attack at the age of 47.
1962-1968 | San Lorenzo | 90 | (30) |
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1969-1970; 1972-1975 | Flamengo | 84 | (18) |
1971 | → Huracán (loan) | 29 | (5) |
1976-1978 | Fluminense | 35 | (16) |
1979 | San Lorenzo | 22 | (10) |
1980 | Cleveland Cobras | 7 | (4) |
1980-1982 | New York United | 10 | (8) |
Argentina | |||
1967 | Argentina | 1 | (0) |
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